História dos MCs nos Estados Unidos – E lá fora, como começou?
Provavelmente (por que não é reconhecido pela AMA-US) o primeiro moto clube americano (USA) apareceu após a ‘Grande Depressão’ e que se mantém vivo até hoje é o Cook Outlaws M.C. (1936). Esse grupo era radicado em Cook, cidade de Illinois e mantinha seu território até Chicago. O Cook Outlaws M.C. tornou-se mais tarde o Chicago Outlaws MC e hoje é conhecido como Outlaws Motorcycle Club ou Outlaws MC.
O símbolo dos Outlaws M.C. era gravado na parte detrás dos coletes e consistia simplesmente no nome do clube; as vestes e os revestimentos de couro, assim como o escudo e símbolos de cada facção não existiam nessa época. É interessante notar que de acordo com o site do Outlaws M.C., o logotipo do moto clube (isto é “Charlie,” um crânio centrados sobre dois pistões e bielas cruzadas, similares a bandeira do pirata Jolly Roger) foi influenciado pelo vestuário do filme ‘The Wild One’, estrelado por Marlon Brando em 1954.
Mas o motoclube mais antigo, segundo a AMA não é formado por homens, mas por mulheres! Sim,mulheres! O motoclube feminino chamado Motormaids é o que mantêm o título de moto clube mais antigo (mais de 60 anos) de acordo a American Motorcyclist Association Club– AMA, associação que concedeu a carta patente de motoclube mais antigo já em 1940. As Motormaids M.C. mantiveram uma identidade singular e uma estrutura hierárquica interna igual desde seu início. E, pasmem! Ao contrário do que muita gente imagina as Motormaids M.C. são sim o motoclube (certificado e com carta patente) mais antigo inclusive que o mundialmente famoso Hells Angels M.C. que teve origem em 1947 e mais ainda do que os OUTLAWS MC.
Os Outlaws MC, criados em 1936, reivindicaram a patente de mais antigo, mas eles realizaram duas modificações em seu nome no decorrer desse tempo e acabaram por não conseguirem provar que era o mesmo MC e, por isso, não obteve a carta patente de mais antigo MC do mundo segundo a AMA americana. Portanto, marmanjos, o MC mais antigo da América do Norte é formado por mulheres motociclistas. E nunca mais fale que moto não é coisa de mulher, ok?
A campanha da imprensa americana contra os Mcs
Como se formou a imagem ruim dos motociclistas perante a opinião pública
Muitos atribuem a um filme, mas o fato que gerou todo esse preconceito contra motociclistas e MCs teve início a partir de um incidente. Tal fato acabaria definitivamente com a onda e a imagem dos MCs bonzinhos. O fato aconteceu em Hollister, Califórnia, em 4 de julho de 1947. Esse episódio foi tema de uma distorcida reportagem feita pela Revista Life onde ela misturou o novo perfil dos motociclistas ao incidente e fez com que os motoclubes não ligados a AMA ganhassem popularidade.
Naquela época, apenas os membros da AMA recebiam o certificado de motoclube o que dava permissão de competir em provas de velocidade. O mundo da competição era um fator determinante para a formação e difusão dos motoclubes nos EUA. A AMA era responsável pelas regras relativas aos seus membros, pela segurança nas corridas, bem como pela ‘imagem familiar’ que os eventos necessitavam ter para a venda de ingressos.
Em 4 de julho de 2007, uma falha de organização dentro da AMA provocou um pequeno incidente em Hollister, Califórnia e depois dele a imagem dos motociclistas não seria mais a mesma. Nesse fim de semana, ocorreu o encontro de vários moto clubes, incluindo Pissed Off Bastards of Bloomington (POBOB) e os Boozefighters Motorcycle Clubs, todos atraídos pelas corridas anuais que a AMA promovia por todo os EUA. Como estes eventos eram considerados de primeira linha, uma legião de motociclistas, membros de moto clubes ou não, se faziam presentes.
Naquele dia uma mistura de álcool e adrenalina resultou em incidentes. Membros de moto clubes e não membros passaram a competir pelas ruas da cidade, regados a grande quantidade de cerveja. A confusão produziu pequenos incidentes, entre eles dano ao patrimônio e atentados ao pudor, mas nada parecido com “um cerco à cidade”, como a revista Life noticiou.
A dúvida sobre o que realmente aconteceu em Hollister sempre existirá, pois a maior parte das pessoas que viveram aquele final de semana já faleceu e por isso a verdade nunca apareça. As reportagens da época retratam Hollister como uma cidade tipicamente interiorana que foi abalada pela chegada de ‘motoqueiros arruaceiros’ que fizeram da cidade um pandemônio, no entanto, há registros de que Hollister já havia recebido outras corridas de motocicletas, inclusive a própria Gypsy Tour, em 1936. Com isso, pode-se afirmar que a cidade calma foco das reportagens, também não é verdadeira.
O certo é que anos mais tarde, também em Hollister, por muito pouco, outra confusão não aconteceu. Em 1997 tentaram comemorar o aniversário de 50 anos do incidente, mas não deu muito certo, pois, de novo, a cidade não tinha capacidade de receber milhares de motociclistas.
EUA, 04 de julho de 1947, Hollister, Califórnia – O dia em que tudo mudou
O incidente ocorrido em 04 de julho de 1947 em Hollister, Califórnia (USA) pode ser atribuído a um erro de cobertura de imprensa e a um texto sensacionalista que tinha como objetivo vender mais jornais (prática da época). De acordo com relatos, Barney Peterson, um fotógrafo do San Francisco Chronicle, publicou a foto de um motociclista bêbado equilibrando-se precariamente sobre uma motocicleta Harley-Davidson, cercado por cascos de cerveja quebrados e segurando uma cerveja em cada mão com a seguinte manchete: “e assim, a América”
O San Francisco Chronicle exagerou quando, no artigo, afirmava que “motociclistas realizavam competições em todas as ruas e entravam com suas motocicletas dentro de bares e restaurantes”. Para piorar este episódio a revista utilizou palavras como “terrorismo” e “pandemônio”. Também afirmavam que as mulheres que acompanhavam os motociclistas eram qualquer coisa, menos “senhoritas americanas”.
O artigo serviu para insuflar os ânimos na região e logo apareceram os primeiros desentendimentos que resultaram até em morte. A revista Life, em 21 de julho de 1947, aproveitando o momento, publicou um artigo usando a mesma foto do motociclista bêbado com o seguinte título: “Ele e os seus amigos aterrorizam a cidade” (Cyclist’s Holiday: He and Friends Terrorize Town).
O artigo afirma que “quatro mil membros de um moto clube eram responsáveis pelo tumulto.” Mais do que um exagero essa afirmação era uma deslavada mentira, pois nenhum moto clube havia conseguido juntar, pelo menos a metade desse número, naquela época.
Bastaram apenas 115 palavras colocadas logo abaixo de uma imagem gigantesca de um motociclista bêbado para causarem tumulto por todo país. Alguns autores afirmaram que a AMA liberou para imprensa uma nota que desmentia a sua participação no evento de Hollister e indicava que 99% dos motociclistas eram pessoas de bem, cidadãos cumpridores da lei, e que os clubes de motociclistas da AMA não estiveram envolvidos na baderna.
Porém a Associação Americana do Motociclista não tem nenhum registro de tal nota. A revista Life publicou o comentário de pelo menos de três pessoas, uma delas era Paul Brokaw, um proeminente editor de um periódico chamado Motorcyclist. Brokaw ‘detona’ a Revista Life considerando que a imagem publicada era totalmente descabida e mentirosa.
A íntegra da carta do editor à LIFE
Brokaw, em carta ao editor da Life destaca sua indignação com a forma pela qual o fato fora tratado pela revista:
“Senhores,
As palavras mal servem para expressar meu choque ao descobrir que o retrato do motociclista foi obviamente preparado e publicado por um fotógrafo interesseiro e sem escrúpulos.
Nós reconhecemos, lamentavelmente, que houve uma desordem em Hollister – não ato de 4.000 motociclistas, mas de um por cento desse número, ajudada por um grupo de não motociclistas apostadores. Nós, de forma alguma, estamos defendendo os culpados – de fato é necessária uma ação drástica para evitar o retorno de tais comportamentos.
Entretanto, vocês devem entender que a apresentação dessa foto macula, inevitavelmente, o caráter de 10.000 homens e mulheres inocentes, respeitáveis, cumpridores das leis e que são os representantes verdadeiros de um esporte admirável.”
Paul Brokaw
Editor, Motorcyclist
Los Angeles, Calf.
Enquanto os motociclistas comuns e as moto-organizações estavam tentando se distanciar do ocorrido em Hollister, clubes como o Boozefighters buscaram se enquadrar a ele. Assim, o evento de Hollister de 1947 era o que faltava para a consolidação dos moto clubes não alinhados a AMA, ou seja, os “Outlaw Motorcycle Clubs”. Vale ressaltar que estes MCs nunca pertenceram a AMA, logo não foram banidos ou coisa parecida como alguns informam.
Entre 1948 e princípios dos Anos 60’ os clubes de motociclistas (não aliados a AMA) se espalharam para fora da Califórnia estabelecendo um novo capítulo na história do motociclismo nos Estados Unidos. Outlaws Motorcycle Clubs tais como os Sons of Silence Motorcycle Club, surgiram no meio oeste, os Bandidos Motorcycle Club, no Texas; os Pagans Motorcycle Club, na Pennsylvania; entre outros. Durante este período, vários membros do Pissed Off Bastards of Bloomington saíram do seu clube e formaram a primeira versão dos Hells Angels Motorcycle Club (HAMC). No mesmo período, os Boozefighters, um dos Outlaws Motorcycle Clubs originais, iniciou o declínio no número de membros.
O Vietnam e os “Bebês Assassinos”
O conflito do Vietnam (1958-1975) pode ser visto como um dos fatos mais recentes que contribuíram para o aumento dos Outlaws Motorcycle Clubs. Se o retorno dos veteranos da 2ª guerra foi um fator que auxiliou na formação desses moto clubes, o conflito do Vietnam foi à pólvora que faltava para explodirem. Veteranos desse conflito eram humilhados pela população em geral. Chegaram a ser rotulados de “bebês assassinos”. Alguns receberam cusparadas e xingamentos nos aeroportos e, muitas vezes, foram recusados em bons empregos, isso após “terem cumprido com o seu dever” para com o país.
No meio dessa confusão surgem os motoclubes 1%. Eles emergem em uma escala nacional tendo como suporte o surgimento dos Outlaw Motorcycle Clubs. Para concretizar este nascimento, os clubes dominantes da época foram além. Observando a declaração atribuída a AMA (de que os arruaceiros eram apenas 1%), buscaram para si a responsabilidade de fazer parte daquele 1% que foi apontado em Hollister.
Assim, criaram a organização sem regras explícitas, não alinhada a AMA, ou seja, assumidamente Outlaw Motorcycle Club e passaram a se identificar por meio de um emblema em forma de diamante com a inscrição 1%. Concordaram também em estabelecer limites geográficos ao qual cada MC teria domínio.
Um ponto significativo na evolução dos motoclubes 1% se evidenciou no verão de 1964 na Califórnia. Nesta época, dois membros do Oakland Hells Angels Motorcycle Club foram presos e acusados de terem estuprado duas mulheres em Monterey, no entanto, pouco tempo depois foram liberados, devido a insuficiência de provas. Esse episódio foi à desculpa que faltava para que o governo do estado da Califórnia voltasse os olhos para os outlaw motorcycle clubs. Ainda em 1964, o senador Fred Farr exigiu uma investigação imediata sobre os estas organizações, encargo que ficou sob a responsabilidade do general Thomas C. Lynch.
Duas semanas mais tarde iniciaram-se as investigações. No ano seguinte, o General Lynch liberou ao público um relatório que esmiuçava as atividades dos outlaw motorcycle clubs tais como os Hells Angels. O relatório de Lynch pode ser considerado como a primeira tentativa de se classificar os clubes de motocicleta como um perigo para a comunidade e para o estado, entretanto, se resumiu em afirmar que essas organizações possivelmente cometiam crimes como sedução de jovens inocentes, estupro e pilhagem em pequenas cidades.
O relatório foi largamente contestado, até mesmo dentro das organizações do estado. A imprensa, no entanto, percebendo que a história dos Outlaw Motorcycle Clubs vendia bem passou a publicar diuturnamente o lado negativo dessa organização. Talvez Andrew Syder seja o que melhor esboçou o efeito do relatório de Lynch. Segundo ele, o relatório moldou o conceito de moto clube na opinião do cidadão americano de forma negativa. Essa afirmação pode ser compreendida quando se observa os noticiários da época e ainda os dos tempos atuais. Nada, ou pouco mudou.
Os motoclubes ainda são a melhor forma de expressar o motociclismo estradeiro, mas é bom lembrar que todas as corridas que hoje vemos mundo afora começaram com eventos promovidos pela AMA-USA. Tais eventos foram os precursores de tudo o que vem a ser o mercado de motos hoje. Os moto clubes podem até perder o seu pique de crescimento, mas nunca vão perder o glamour.
Não é demais lembrar que uma das mais geniais jogadas de marketing da história do motociclismo foi feita pela Honda quando ela entrava no mercado americano. Honda modificou a forma de se comercializar motocicletas nos EUA, acabando com o sistema de consignações e fazendo com que o americano com cara de good boy trocasse o carro por uma scooter japonesa. Não satisfeito, Honda obteve as primeiras colocações vendendo motos e carros na terra da Harley Davidson e de Henry Ford. O anúncio, oportuno para a época, falava que você encontrava gente bonita numa Honda.
Antes de Honda as oficinas americanas usavam o sistema de consignação e abriam aos fins de semana. Honda mudou isso para o modelo que hoje ainda vigora. Mas nunca é demais lembrar que tudo isso passou acontecer quando alguém decidiu criar um clube de consumidores de motos e acessórios chamado – Moto Clube.
Fonte: http://www.motonline.com.br/noticia/motoclubes-conheca-um-pouco-da-historia-dos-motoclubes/