A história do motociclismo de estrada esta diretamente associada à história dos moto clubes. A seguir faremos um breve relato dos principais fatos que colaboraram para a edificação deste estilo tão cultuado.
Apesar do crescimento do interesse sobre esta máquina fantástica estar cercando a virada do século XX, data de 1868 a construção da primeira motocicleta. Desde os primórdios, ela já despertava o instinto de liberdade naqueles poucos que ousavam desafiá-la. Não demorou muito para que esses primeiros motociclistas percebessem as vantagens de viajar em grupo - apesar de que, andar de moto já é inevitavelmente um ato solitário.
Já na primeira década do século XX se organizavam corridas de motos, o que aumentaria consideravelmente o interesse e a admiração por este novo meio de transporte e, consequentemente, a criação de clubes que nada mais eram que entidades sociais de indivíduos que andavam de moto juntos.
Neste período nasce o Moto clube do Brasil, primeira associação motociclística brasileira nos moldes de uma associação, cuja sede ainda hoje resiste no Rio de Janeiro. Estas associações persistiram até a década de trinta quando apareceram nos EUA os primeiros moto clubes com tendências mais rígidas. Nesta época eram produzidas mais de 200 marcas de motocicletas, mas o mercado consolidou apenas três: Harley Davidson, Indian e Excelsior, que juntas respondiam por 90% das vendas. Naquela década a grande depressão devastou a indústria e apenas a Harley Davidson conseguiu sobreviver, apesar de a Indian ter se mantido até 1953 e retornado na década de 1990.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, muitos membros das forças armadas americanas foram desmobilizados e não conseguiram se readaptar à vida da sociedade "normal" - deixando de lado aqui, o princípio da normalidade. Era deprimente para eles a rotina de trabalho, família, hipotecas, faculdades e etc. Acostumados com a adrenalina depois de tanto tempo vivendo no limite e ao mesmo tempo querendo desfrutar ao máximo a liberdade e o próprio fato de estarem vivos de volta ao seu país.
Aos poucos foram se reunindo e encontraram na motocicleta o meio para satisfazer seu estilo de vida ideal. As motocicletas estavam baratas, vendidas como excesso de material nos leilões militares. Logo esses indivíduos passaram a compartilhar os fins de semana, mas aos poucos quando chegava a segunda-feira, nem todos iam para casa, transformando o clube de motocicletas do fim de semana em uma família de irmãos substitutos em tempo integral.
Principalmente na Califórnia, os veteranos formaram centenas de pequenos moto clubes como: Pissed of Bastards, Jackrabbits, 13 Rebels e os Yellow Jackets. Os membros usavam coletes do clube e rodavam juntos nos fins de semana. Lentamente formalizaram os escudos, as cores, que passaram a defender com sua honra, adaptando a hierarquia militar em uma estrutura de irmandade, subliminada sob os cargos eletivos das associações.
Alguns moto clubes pré-existentes se readaptaram facilmente a esta nova filosofia, outros simplesmente desapareceram, o que não aconteceria no Brasil. Os moto clubes brasileiros não se adaptaram, continuando como associações ou se extinguiram.
A A.M.A. (American Motorcycle Association) logo percebeu que a guerra havia exposto muitos americanos às motocicletas e que os veteranos voltaram com experiências fantásticas em cima das Harley Davidson WA45, experiências estas que eles fariam tudo para continuar vivenciando. Ansiosa em manter estes novos motociclistas, a A.M.A. passou a organizar competições, viagens e gincanas com um entusiasmo renovado.
Entretanto, a guerra não é o exercício mais saudável para a mente de quem combate no front e estes novos motociclistas farreavam muito mais que os motociclistas tradicionais. Sua rotina se resumia quase sempre a festas, disputas, bebedeiras e como era inevitável, algumas brigas, talvez buscando retomar o tempo perdido.
A população tolerava esses excessos porque os motociclistas tinham a seu favor o fato de terem defendido seu país na guerra, apesar de tudo isso estar sendo financiado pelas pensões do governo, o que posteriormente pesaria contra os veteranos, quando saindo da depressão a América tentava otimizar seus custos com o apelo do apoio da população.
Foi em Hollister (CA) que o mito da marginalidade se concretizou. Um fim de semana negro era o que faltava ao puritanismo americano e a mídia sensacionalista para taxar os motociclistas de foras da lei e os moto clubes de gangues. Neste período, a polícia e os comerciantes criaram uma serie de alternativas nos locais onde eram realizados os encontros para contornar esta aclamada rebeldia, como fechar duas horas mais cedo e até deixar de servir cerveja.
Os jornais estampavam manchetes sensacionalistas como "Revoltas..." "Motociclistas assumem cidade" e "Motociclistas destroem Hollister". Até a Revista Life estampou uma fotografia de página inteira de um motociclista em uma Harley, com uma cerveja em cada mão.
A A.M.A. se viu então diante de um pesadelo, denunciou os Bastards, culpando-os pelos incidentes e tentando mostrar à sociedade que todos os motociclistas não poderiam ser culpados pelo vandalismo de um único moto clube.
Com o passar do tempo, ficou cada vez mais difícil separar os mitos da realidade. Quando Hollywood dramatizou o fim de semana de Hollister no filme de 1954 O Selvagem - "The Wild One" - com Marlom Brando, qualquer esperança de salvar a imagem dos motociclistas estava perdida. Os críticos pareciam incapazes de passar a idéia de que era puramente um filme sobre violência. Na realidade, há muito pouca violência pública em O Selvagem se comparado a muitos filmes de guerra da mesma época. O que parece ter perturbado os críticos era o fato de que a violência das jaquetas de couro estava de mãos dadas com a sexualidade contra a autoridade do puritanismo e dos ternos folgados.
Nós poderíamos não estar lendo este artigo agora se uma única cidade naquele momento concordasse em permitir à A.M.A. promover novamente um encontro de motociclistas, o que só aconteceu cinco meses após os acontecimentos de Hollister. Mas ao contrário do que os puritanos e a policia esperavam, tudo aconteceu em paz e os comerciantes locais abriram suas portas para receber os motociclistas.
Entretanto, a mídia sensacionalista e principalmente a revista Best ainda insistiam em mostrar os motociclistas como bêbados ou, na pior das hipóteses, sociopatas.
O que Hollywood conseguiu foi incentivar verdadeiros predadores a criarem moto clubes e constituir verdadeiras gangues, o que fez da década de 50 uma página negra na história do motociclismo.
Nasce naquela época também a rivalidade entre alguns clubes e o senso de território. As motos eram em sua grande maioria Harleys e passaram a ser despojadas de tudo que não fosse essencial - velocímetro, lanternas, espelhos e banco de carona - ficavando mais leves e ágeis nas disputas. Esse estilo de moto ficou conhecido como Bobber, que mais tarde deu origem às chopper, que eram motos modificadas para viagens - com frente alongada, banco com encosto e santo Antonio.
A moto passou a ter grande importância como sendo um complemento da personalidade de seu dono, e como modificações eram sempre feitas pelos próprios motociclistas, não haviam assim duas motos iguais.
A década de 50 também ficou marcada como a década de expansão dos MC's Americanos para outros paises. A década de 60 foi fantástica para o movimento motociclístico e as motocicletas voltaram a ser tema de Hollywood. Elvis Presley com Roustabout e Steve McQueen com A Grande Fuga, alavancaram uma série de filmes sobre o tema que chegou ao seu auge com Easy Rider.
Finalmente vislumbra-se uma mudança na imagem do motociclista com o início da fase romântica do motociclismo, que perdurou até o final da década de 70. O período fixou o motociclismo como ícone de liberdade e resistência para o sistema. Naquela década, mais precisamente em 1969, nasce no Rio de Janeiro, o primeiro moto clube Brasileiro que seguia a nova estrutura de hierarquia e irmandade dos moto clubes internacionais. O estilo "motociclístico" assumiu uma nova imagem e vitalidade dentro do aspecto de ampliação de estilos de vida contemporâneos.
Estes movimentos revitalizaram a reputação dos motociclistas e foram responsáveis por atrair motociclistas cujo único desejo era projetar a imagem de diversão saudável, contribuição à comunidade e a liberdade inerentes a experiência das Harley-Davidson.
No Brasil, O Vigilante Rodoviário - Série produzida pela TV Tupi entre 1961 e 1962 - alimentava a imaginação aventureira de jovens e adultos. A década de setenta viu a disseminação dos moto clubes pelo mundo, alguns se mantiveram fieis às antigas Harleys e outros se adaptaram a outras motos, uma vez que as motos japonesas começavam a dominar o mercado mundial.
No Brasil, a instalação de montadoras japonesas e a lei que limitava a importação de motos tornaram homens como Myster - falecido em 2002 - e os poucos moto clubes existentes, verdadeiros heróis da resistência. Brasil este que após lançar uma associação motociclística em conformidade com os padrões do inicio do século, padeceu sob um retardo de quase 60 anos na história do motociclismo de estrada mundial.
A partir do final da década de sessenta iniciou-se o movimento de moto clubes dentro destas novas normas de conduta e irmandade. Os sessenta anos de atraso, foram diluídos nas décadas de 70 e 80. Vivenciamos então a fase romântica de encontros, onde o único prazer era viajar para estar com os amigos ao pé de uma fogueira falando sobre motos, viagens e, sabe-se o que mais. Em abril de 1980 o saudoso Capitão Senra, junto com amigos motociclistas de Belo Horizonte apaixonados pela marca americana, fundam o Águias de Aço.
Apesar de tudo, passamos também pelas outras fases, que culminaram com a popularização do estilo no Brasil a partir de 1996, quando inúmeros moto clubes passaram a ser criados. Neste período, outra série de filmes como: A sombra de um disfarce e A vingança do justiceiro, insistiam em denegrir a imagem do motociclista.
Muitos fatores levaram a esta popularização: o crescente aparecimento de moto clubes - na mídia especializada ou não - desfazia aquela aura de mistério e medo. Com a liberação da importação, as fábricas japonesas pagando royalties à Harley para copiar seu desenho, a equiparação do dólar ao real, a abertura de lojas da Harley no Brasil, os políticos visando um colégio eleitoral leal e abandonado e as prefeituras locais buscando ampliar o turismo em suas cidades.
Comercialmente falando, sanguessugas passaram a criar milhares de eventos por ano - que mais parecem festas juninas do que um encontro motociclístico, com o único intuito de ganhar dinheiro no rastro da popularidade. Isto fez com que os moto clubes autênticos raramente sejam vistos em eventos, passando a organizar cada vez mais viagens e encontros exclusivos. Apesar de tudo, o espírito motociclístico ainda sobrevive no pensamento e na atitude daqueles que compreendem e respeitam seus valores e sua essência.
Este relato tem o único intuito de concatenar a história do motociclismo de estrada. Se você discorda de algum ponto ou conhece fatos que possam ser acrescentados à narrativa, por favor envie sua colaboração.
Fonte:http://viagemdemoto.com/historia/155-historia-moto-clubismo